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O Canto para Minha Morte

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    temporacomunicacao
  • há 4 dias
  • 4 min de leitura

Coluna de Diego Franzen


O saudoso jornalista Paulo Pinto, um dos mestres que tive nessa vida, escrevia no Diário Serrano com a elegância de quem conversa de janela para janela ao fim da tarde. Era artífice em brincar com as palavras sem jamais tratá-las como brinquedo. Manipulava com ironia o vernáculo, possuindo uma destreza quase indecente. E, vez ou outra, falava da própria morte com a naturalidade de quem comenta o preço do pão.


E hoje penso muito nisso também. Talvez porque, quando chegamos à meia idade, a morte deixa de ser visita eventual e passa a rondar a casa como cachorro de rua que já decorou o caminho.


Este ano, senti essa ronda mais de perto.


Perdi amigos para dores que não se enxergam e para doenças que não pedem desculpa.


O Lucas Prola, meu amigo desde o jardim de infância, colega do Ensino Fundamental no Santíssima Trindade, cúmplice de adolescências, vizinho, companheiro de movimento acadêmico na Unicruz, partiu sem aviso. Perdeu uma batalha contra o câncer. Mas ele era tão forte que parecia ser imortal.


A vida, às vezes, leva justamente os que parecem feitos para ficar. E no ano passado, o João Thiago Mattos, colega de Ensino Medio que eu não via há anos, se foi num estalo súbito, sem ritual, sem ensaio, apagando a luz no meio do capítulo. O coração simplesmente parou.


Minha mãe ficou doente. Felizmente está melhor e aqui conosco. Mas o medo da perda e o sentido que a minha velhinha me dá me fizeram pensar ainda mais.


Outros amigos perdi para a depressão. Já perdi amigos para o trânsito. O Rômulo Basilio, por exemplo, o melhor aluno de arte marcial que já tive.


Triste demais.


E, por tudo isso, ficamos nós, tentando reorganizar a narrativa no escuro.


Daí o título. Uma homenagem a Raul Seixas. O Canto para Minha Morte. A música em que ele diz "vem, mais demore a chegar eu te detesto e amo morte que talvez seja o segredo dessa vida".


Ali está o paradoxo que sustenta a vida. Detestamos a morte porque ela ceifa. Amamos a morte porque ela dá sentido. O fim é o que faz o meio valer a pena. Se a existência fosse infinita, nós seríamos irrelevantes.


E então me pego pensando no tamanho da minha presença neste mundo.


No que deixo.


No que marco.


No que construo dentro das pessoas.


Porque viver não basta. É preciso significar. É preciso ser necessário.


Não quero ser lembrado como alguém que passou sem deixar sombra. Não quero ser aquela figura apagada cujas memórias se desfazem como neblina ao sol. Talvez o verdadeiro medo não seja morrer. É não ter importado.


Pra quem não sabe, sou clarividente. Um clarividente meio cético. Ou só um esquizofrênico funcional que aprendeu a conviver com seus delírios.


Depende do dia. Depende do humor. Depende da coragem de admitir.


Mas essa sensibilidade intensa mexe com meu jeito de encarar o fim. Sinto mais. Percebo mais. Carrego a morte comigo como um presságio cansado que apenas observa, esperando o momento certo para bater no ombro.


E repito o que já declarei aqui: quando eu morrer, quero todos tristes. Quero choros sinceros. Textões dramáticos. Homenagens exageradas. Fotos minhas em preto e branco. Notas de luto em letras enormes. Porque isso significa que fui importante.


Significa que toquei vidas.


Significa que amei e acolhi aqueles que realmente importavam para mim. É o último gesto de carinho possível: sofrer pela minha ausência.


Mas não se assustem. Não estou indo embora. Quero viver cada ano que me resta. Ou meses. Ou dias. Ou horas. Ou minutos. Quem sabe segundos. Eu não sei.


O fato é que quero viver como se a vida estivesse em oferta por tempo limitadíssimo. Quero ser o melhor que posso. Não um retrato esquecido. Não só o pó que retorna ao pó.


Quero ser algo mais. Uma lembrança viva. Uma palavra que permanece. Uma centelha que insiste em existir mesmo quando a escuridão parece maior.


Algo à maneira daquela atmosfera sombria que Augusto dos Anjos deixava escapar em seus versos, mas invertido, transfigurado em resistência, brilho e permanência.


Agradeço a todos que caminharam comigo em algum trecho da estrada. Agradeço aos que ficam. Aos que me sustentam. Aos que dão sentido aos meus passos.


Meus filhos. Minha família. Meus amigos. Cada um deles é motivo. Cada um deles é razão. Cada um deles é prova de que vale a pena levantar todo dia e tentar novamente.


A felicidade é deste mundo sim. E justamente por ser breve pode se tornar eterna. A efemeridade molda o infinito. O instante produz eternidade.


E termino com a pergunta do meu livro A Pedra Oculta, aquela que nunca deixa de me atravessar.


Se o anjo da morte aparecesse diante de você agora, olhasse nos seus olhos e pedisse uma razão para não levar você neste exato momento, o que você responderia?


Diego Franzen é jornalista e escritor, autor de 17 livros. CEO da Tempora Comunicação e Editor do Portal Pauta Serrana
Diego Franzen é jornalista e escritor, autor de 17 livros. CEO da Tempora Comunicação e Editor do Portal Pauta Serrana

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