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O Relógio do Fim do Mundo e um gaúcho em Israel

  • Foto do escritor: temporacomunicacao
    temporacomunicacao
  • 18 de jun.
  • 4 min de leitura

Por Diego Franzen | Pauta Serrana


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O Doomsday Clock não é um relógio de verdade. Não faz tique-taque, não tem ponteiros de bronze, não marca o meio-dia nem a hora do chimarrão. É uma metáfora — das mais potentes que o século XX inventou. Criado em 1947 por cientistas que sabiam o que uma bomba pode fazer com uma cidade, o Relógio do Juízo Final marca o tempo que resta para o fim do mundo. Quando os ponteiros chegarem à meia-noite, é porque a civilização já virou cinza e estatística.


Durante a Guerra Fria, ele esteve a dois minutos do fim. Durante a pandemia, chegou a cem segundos. Agora, depois da invasão da Ucrânia, dos testes nucleares da Coreia do Norte e das ameaças no Oriente Médio, está em noventa segundos da catástrofe. Nunca estivemos tão perto.


Enquanto os ponteiros invisíveis avançam, Jorge Pedrotti, um gaúcho de Santa Maria, escuta o apocalipse pelo celular. Ele não lê sobre o conflito — ele vive. Em Jerusalém, onde mora, o tempo não é medido em horas, mas em alarmes. Cada notificação no aparelho é um aviso do governo: “procure abrigo”. O céu, às vezes azul, vira corredor de drones. E a cidade que nunca dorme, corre.


Jorge largou o conforto do pampa para buscar algo mais antigo que o tempo: sentido. Convertido ao judaísmo, estuda hebraico, segue os preceitos da Torá, cobre a cabeça com kipá e o coração com fé. “Aqui é onde tudo faz sentido”, disse ele, em conversa exclusiva com o Pauta Serrana. Só que esse sentido, agora, anda ladeado por sirenes e portas blindadas.

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A vida em Israel, conta Jorge, é uma sequência de contrastes. Ele não se arrepende da escolha que fez — pelo contrário, reafirma com convicção que trocou o Brasil pela fé e pelo propósito. Mas a rotina, mesmo quando envolve espiritualidade, não escapa da guerra. Os alarmes soam com frequência. Os mísseis são interceptados no ar pelo sistema de defesa, mas os estilhaços continuam sendo um risco real. Quando a sirene corta o ar, os moradores têm poucos segundos para se proteger.


Jorge vive num quarto alugado, com banheiro próprio, num andar abaixo do térreo de um prédio residencial — uma arquitetura rara no Brasil, mas comum por lá. O subsolo virou abrigo coletivo: é para ali que os vizinhos correm sempre que a ameaça ganha forma no céu. Ali, no corredor ao lado do seu quarto, a tensão se aglomera junto com as pessoas.


Ele reconhece que não entende muito de mísseis, embora seja instrutor de tiro. Sabe, no entanto, que os bunkers não são à prova de impacto direto — servem para conter estilhaços, para tentar conter o pânico.


Mesmo assim, ele não desiste. Vive com o essencial, atento, alerta. Diz que é preciso reconstruir a paz todas as manhãs. Que ali, naquela cidade onde o antigo e o moderno se esbarram, a sobrevivência exige serenidade.


Jerusalém, onde ele vive, é um oásis moderno em meio a um deserto de tensões. Bares, shoppings, startups — tudo pulsa como se a guerra estivesse do outro lado da galáxia. Mas bastam quinze segundos de aviso para mudar tudo. “Você está tomando um café, e de repente precisa correr para o abrigo. Desce três andares. Espera. Depois volta e continua como se nada tivesse acontecido.”


Mas aconteceu.


Desde abril, a escalada entre Irã e Israel deixou de ser apenas retórica diplomática e virou troca real de mísseis. Centenas deles. Drones suicidas. Satélites espiões. O Irã, em fúria, responde a cada passo de Israel com ameaças de proporções bíblicas. E o governo israelense, liderado por um premiê cada vez mais isolado, insiste em manter o tom firme — e o dedo perto do botão.


O mundo inteiro treme. Porque o conflito entre esses dois países não é apenas uma rixa regional. É a porta do inferno entreaberta para o restante do planeta.

Quando Jorge fala em “vida normal”, ele não está exagerando nem ironizando. Em Jerusalém, há casamentos, crianças brincando, entrega de comida por aplicativo. Mas também há abrigos antiaéreos a cada 200 metros. É como viver com um lobo na varanda — você aprende a respirar devagar para não chamar a atenção.

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Enquanto isso, aqui no Brasil, a guerra se infiltra pelos poros da economia. O petróleo dispara. O frete aumenta. O vinho do Vale dos Vinhedos, tão perfumado quanto frágil, sobe de preço não pela uva, mas pelo diesel. O agricultor sente, mesmo que não entenda. O lojista percebe, mesmo que não saiba explicar. A guerra não precisa explodir no seu quintal para estilhaçar seu orçamento.


O Doomsday Clock não se move por impulso. Cada segundo a menos é resultado de atos reais: a ameaça de uma arma nuclear, a quebra de um pacto, o lançamento de um míssil balístico. Cada avanço é uma perda de fé no bom senso coletivo.


Jorge sabe disso. E sente no próprio corpo. Ele fala com calma. Como quem já entendeu que o tempo não é mais o mesmo — e que a história se escreve hoje com fumaça, dados e orações.


O gaúcho em Israel representa mais do que uma coincidência geográfica. Representa o elo entre o aqui e o lá. Entre a colheita e o conflito. Entre o parreiral e o Pentágono. E nos lembra que, por mais distante que pareça, a guerra sempre encontra um jeito de chegar até nós — nem que seja pelo preço do pão ou pelo sono interrompido de quem tem família no fronte.


Enquanto o relógio se aproxima da meia-noite, seguimos aqui. Entre taças de vinho e manchetes de espanto. Fingindo normalidade. Torcendo para que o tempo volte a se afastar do abismo.


Porque ainda há silêncio entre os alarmes. E ainda há Jorge, com kipá na cabeça e mate no peito, nos contando que a vida resiste — mesmo sob os ponteiros da destruição.

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1 comentário


bitencourtrbr1959
18 de jun.

É o preço a pagar devido a vizinhos ideológicos e fanáticos religiosos que pregam abertamente o extermínio de Israel. Ou eliminam o problema ou vão viver se abrigando.

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