Iconoclasta Tradicional
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Coluna de Diego Franzen

Sim, o título dessa coluna é um paradoxo e aparentemente não tem sentido. Mas, todo paradoxo faz sentido. É o absoluto relativo. Ou relativo absoluto.
Ah, eu amo paradoxos. Neles se avulta a verdadeira arquitetura do espírito. Meu compromisso é combater a tirania, os preconceitos e os erros e glorificar o bem estar da humanidade enaltecendo virtudes e combatendo vicios.
Não falo de invectivas vazias nem de retóricas de estufa, falo de uma insurreição moral. Derrubar ídolos de vaidade, expurgar a hipocrisia que se maquila de civismo e recuperar a lex interior que nos ancora à dignidade.
Sonhar com um mundo melhor é exercer uma perversão sagrada contra o que nos querem domesticar. É, como Dom Quixote, brandir a lança contra a engrenagem do conformismo e não aceitar que a mediocridade seja o epílogo inevitável da espécie humana. Há no sonhar uma audácia que beija o absurdo e ri dele, e é dessa risada que procede a desruptura.
Vivemos num corpo social pródigo em prolixidade e empobrecido em alma. O modelo vigente é violento, machista e preconceituoso, um teatro de bonifrates, onde a mulher é recuada ao aposento das aparências enquanto a multidão faz reverências ao simulacro do progresso.
A ética foi subjugada em nome de interesses pessoais e a prosápia tornou-se moeda corrente. Avalia-se o humano pelo pelo que tem e não pelo que realmente é.
Pior são aqueles histriões que nada têm, fingem ter e, no fingimento, perpetram humilhações com uma ferocidade quase ritual, como se o vitupério servisse para mascarar a própria torpeza interior.
Ser iconoclasta é, portanto, praticar a desmantelação dessa ordem, apontar o dedo contra o jeitinho subreptício, o elogio ao oportunismo, o obsequioso sorriso que encobre a lâmina.
A fé é o primeiro estandarte que ergo, não como teorema intransigente, mas como perseverança perseverante, uma pervicácia espiritual que se recusa a prestar hombridade ao pessimismo. Fé é acreditar no bem mesmo quando a atmosfera moraleja decadência; é manter aceso o lume, por pequeno que seja, no claustro fuliginoso da desesperança. Não confundir com credulidade pueril; aqui a fé é força heurística, é postura, é promessa feita à própria consciência de que a benevolência vale a pena enquanto tateamos nas trevas.
Amor filial merece um parágrafo por sua recusa à logística do interesse. Amor filial é a reverência ao laço originário, a devoção que não se barganha nas praças públicas, que não se exibe como troféu de vaidade. É a obrigatio do afeto que sustenta genealogias de caráter, que é mais rito que espetáculo. Esse amor educa, reprime o modo corrosivo do egoísmo e torna possível a transmissão de honra de uma geração para outra, com a solenidade de um juramento antigo.
Reverência pelas coisas sagradas não implica dogmatismo, mas reconhecimento dos pontos cardeais que orientam a existência coletiva. São os lugares, as ações e os símbolos que merecem cuidado porque preservam uma memória ética. Chamar ao respeito por isso é combater a banalização sacrílega que transforma o sagrado em mercadoria, a liturgia em marketing e o mistério em nota fiscal. Há uma delicadeza aristocrática em tratar o sagrado com cuidado; é a urbanidade da alma que impede a profanação cotidiana.
Cortesia é um triunfo sobre a pequenez. Não confundir a cortesia com subserviência; ela é a forma elevada de sociabilidade, a etiqueta da alma que exige vocabulário de respeito e a paciência do ouvido. A cortesia é a argamassa que sustenta o edifício da convivência. Quando ela desaparece, restam as catacumbas do ódio e do azedume público. Ser cortês é, por vezes, ser mais corajoso que o que brama alto, porque a cortesia desarma a hostilidade e desmonta a prosódia do ódio com uma frase bem colocada.
Companheirismo é o gesto prático da solidariedade, a ponte que se constrói com as mãos para que o outro atravesse os anfractuosos rios da vida. Não é mera simpatia de vitrina; é presença efetiva, é acudir antes do chamamento, é compartilhar fardo sem desejar medalha. O companheirismo é a política de proximidade que corrige o narcisismo social e instaura uma fraternidade operante, quase uma ordem cavaleiresca aplicada ao cotidiano.
Pureza não tem o verniz da ingenuidade, tem a altivez da integridade. Ser puro é resistir às seduções da corrupção estendida como tapete vermelho, recusar a lascívia do ganho fácil e preservar uma coerência íntima. Pureza é estilo de vida, é uma estética moral que recusa a contaminação do caráter por interesses efêmeros. Não é santidade de vitrina, é disciplina do espírito.
Fidelidade é o cimento que une promessas à prática. Fidelidade a ideias, a amores, a compromissos públicos e privados é o que separa o homem de caráter do oportunista que troca a bandeira conforme o vento do aplauso. Ser fiel é possuir uma bússola interna que não se altera por manchetes ou por caprichos de circunstância. É respeitar o pacto invisível que nos liga aos outros.
Patriotismo é diferente do chauvinismo que vomita slogans, ele é o amor à pátria entendido como cuidado, como trabalho por um bem comum que não se confunde com torpeza partidária. Patriotismo é cultivar a polis, é não vender a identidade coletiva ao maior lance eleitoral, é preferir a construção ao grito, a argúcia ao bordão. É, em última análise, a lealdade ampliada ao solo que nos formou.
Que fique claro: não creio na melancolia acrítica do mártir nem no histrionismo do moralista de ocasião. Haverá sarcasmo em minhas linhas porque o ridículo merece ser escarnecido. E rir do falso herói é um ato de higienização.
Mas esse sarcasmo não esvazia a esperança.
Há quem nos admire, há quem nos observe em silêncio e nos chame de insurretos da decência. E a esses, invisíveis e perscrutadores, dedico minha odisseia de lança e lira, minha ode à liberdade absoluta de consciência e meu canto quixotesco.
Perseguir sonhos é obrigação de quem ainda acredita que a alma humana tem mais amplitude que seus vícios. Que a cavalaria do rei Arthur nos inspire não por liturgia, mas por coragem. Que a lança erguida não seja para ferir o diferente, mas para furar a couraça do ódio e da falsidade.
Que a nossa iconoclastia seja tradicional no sentido mais nobre, isto é, fundada no respeito às virtudes antigas e no ardor crítico frente às iniquidades novas.














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