Panorama Alarmante dos Acidentes de Trabalho Impulsiona Bento Gonçalves a Reforçar Medidas de Prevenção
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- 19 de nov.
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Por Vinicius Cenci Taborda
Uma queda de aproximadamente nove metros em um canteiro de obras tirou a vida de um operário de 29 anos em Bento Gonçalves, em julho de 2024. O trabalhador despencou após a estrutura de proteção de madeira ceder, em uma obra que posteriormente foi embargada pelo Ministério do Trabalho por diversas irregularidades de segurança, pois faltavam equipamentos básicos como cintos de segurança e guarda-corpos, dispositivos que poderiam ter evitado a tragédia.
Casos como esse ilustram uma realidade preocupante: os acidentes de trabalho em Bento Gonçalves seguem em patamares elevados nos últimos anos, desafiando autoridades e empresas a reforçarem as medidas de prevenção. Dados da Vigilância em Saúde do Trabalhador do município indicam que 2022 registrou cerca de 2.787 acidentes de trabalho (agravos ocupacionais notificáveis), número 200 ocorrências superior a 2021, com 12 desses casos resultando em morte. Em 2023 e 2024, os registros permaneceram altos, orbitando na casa dos três a quatro mil acidentes anuais (estimativas preliminares), consolidando Bento Gonçalves como um dos focos de preocupação em saúde ocupacional no estado. Para efeito de comparação, em 2022 o Rio Grande do Sul contabilizou 50,5 mil acidentes de trabalho, aumento de 16,2% em relação a 202 ao passo que Bento, sozinho, respondeu por cerca de 5% desse total com suas notificações. A cidade figurou entre os municípios gaúchos com mais óbitos por acidentes típicos em 2022: foram 12 mortes confirmadas, segunda maior marca no RS, atrás apenas de Porto Alegre.
No cenário nacional, a escalada de acidentes é igualmente alarmante. Conforme dados oficiais da Previdência Social, foram registrados 612.900 acidentes de trabalho no Brasil em 2022, com 2.538 mortes resultantes, a maior taxa de mortalidade laboral em uma década. Já em 2023, os registros nacionais ultrapassaram 600 mil acidentes (aproximadamente 603.825 casos), com 2.694 óbitos relacionados ao trabalho nesse ano. Em 2024, o país atingiu um novo pico: 742.214 acidentes laborais notificados, segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho. Isso equivale a uma média de 83,6 acidentes por hora e uma morte a cada 3 horas e 38 minutos no país em 2024, colocando o Brasil entre os líderes mundiais em ocorrências dessa natureza.
Indústria lidera ocorrências; mãos e olhos entre os mais atingidos
A economia de Bento Gonçalves, marcada por indústrias de transformação (metal-mecânica, movelaria, vinícolas, construção civil, entre outras, ajuda a explicar a incidência elevada de acidentes. Os casos mais comuns registrados no município costumam ser menos graves, relacionados a corpos estranhos nos olhos e traumas em membros superiores, especialmente nas mãos ferimentos típicos de quem lida com máquinas, ferramentas e materiais particulados sem proteção adequada. Essa informação alinha-se aos dados do boletim epidemiológico mais recente da cidade, que apontou mãos e olhos como as partes do corpo mais lesionadas entre os acidentados de 2024. Esse diagnóstico tem servido para direcionar ações preventivas em empresas e órgãos públicos locais, focando em melhorar a proteção justamente nesses pontos críticos.
Outra frente de preocupação são os acidentes graves e fatais, que embora representem uma parcela menor das ocorrências totais, trazem consequências irreversíveis. Em Bento Gonçalves, em média, uma pessoa por mês perdeu a vida em seu ambiente de trabalho ao longo de 2022. No Rio Grande do Sul, o Relatório de Investigação de Óbitos Relacionados ao Trabalho de 2022 revelou um total de 284 mortes associadas ao trabalho no estado (somando acidentes típicos, de trajeto e doenças ocupacionais), número ainda subestimado devido à subnotificação. Destas, 236 foram causadas por acidentes típicos em serviço, principalmente quedas de altura, acidentes com maquinário (agrícola e industrial) e tombamentos de caminhão, nesta ordem. Bento Gonçalves aparece com destaque trágico nesse levantamento, liderando (ao lado de Rio Grande) o interior gaúcho em mortes por acidentes de trabalho típicos em 2022. Os perfis das vítimas geralmente envolvem homens jovens, em idade economicamente ativa, no Brasil, um terço das mortes por acidentes típicos ocorre entre trabalhadores de até 34 anos, o que acarreta impacto social e econômico enorme para famílias e comunidades.
Segurança do trabalho: prevenção que salva vidas e reduz custos
Especialistas afirmam que a maioria dos acidentes de trabalho é evitável. “Acidentes do trabalho não ocorrem por acaso. Na maioria das vezes, isso ocorre por descaso de quem tem o dever de oferecer equipamento melhor, orientação e um ambiente seguro, e não o fazem. Em muitas empresas, falhas básicas na gestão de segurança estão na raiz dos sinistros, como ausência ou uso inadequado de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e coletivos, falta de treinamentos e de fiscalização interna. No caso do operário que caiu da obra em Bento, por exemplo, a inspeção identificou ausência de cintos de segurança e guarda-corpos no andaime, itens exigidos pelas normas para trabalho em altura e o resultado foi fatal.
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), situações de precarização do trabalho e crises econômicas tendem a gerar mais acidentes, pois muitos empregadores acabam negligenciando investimentos em proteção coletiva e eliminação de riscos em momentos de dificuldade financeira. Soma-se a isso a insuficiência do quadro de auditores fiscais para cobrir todas as frentes de inspeção e a falta de uma mensagem recorrente e consistente sobre a importância da prevenção, o que dificulta a formação de uma cultura sólida de segurança nas empresas.
Causas mais frequentes e lições aprendidas
No panorama nacional, setores como construção civil e transporte rodoviário figuram entre os mais vulneráveis a acidentes fatais, pelos riscos intrínsecos de atividades em altura, manuseio de cargas pesadas, operação de veículos, etc. As principais causas imediatas incluem quedas de altura sem proteção adequada, choques elétricos, colisões de trânsito, excesso de jornada (fadiga) e ausência ou uso incorreto de EPIs. A repetição desses fatores demonstra falhas organizacionais e culturais: onde os protocolos de segurança não são seguidos à risca, os acidentes se repetem. Por outro lado, experiências bem-sucedidas mostram que onde há treinamento constante e compromisso real da direção da empresa com a segurança, o número de acidentes cai drasticamente. Em outras palavras, a diferença está no comprometimento com a vida investir em prevenção não é custo, mas sim garantia de continuidade produtiva e bem-estar dos trabalhadores.
ARTEST e a mobilização local pela segurança do trabalhador
Diante desse quadro desafiador, a atuação dos profissionais de segurança do trabalho e de suas entidades de classe torna-se fundamental. Em Bento Gonçalves, a Associação Regional dos Técnicos de Segurança do Trabalho (ARTEST) desempenha um papel importante de colaboração com empresas e trabalhadores na busca por ambientes laborais mais seguros. Fundada em 1992, a ARTEST reúne técnicos de segurança do trabalho da região e oferece suporte técnico, troca de experiências e capacitações para a categoria.
Além dos eventos, a ARTEST colabora no diálogo com as empresas da região, difundindo as melhores práticas e atualizações em legislação de SST. Técnicos de segurança associados atuam orientando empregadores no cumprimento das normas e na organização de CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) eficazes. A associação também é parceira em campanhas como o próprio Abril Verde, auxiliando na conscientização da comunidade sobre a importância de prevenir acidentes e doenças ocupacionais. Nesse sentido, a ARTEST fortalece a rede local de prevenção.
Desafios e próximos passos para reduzir os acidentes
Apesar dos esforços, diversos desafios persistem na busca pela redução dos índices de acidentes de trabalho em Bento Gonçalves e no Brasil. Um dos problemas crônicos é a subnotificação: muitos incidentes deixam de ser registrados oficialmente, seja por desconhecimento, medo de represália ou pela informalidade das relações de trabalho. Estimativas do Conselho Estadual de Saúde do RS apontam que o número real de acidentes e doenças ocupacionais é significativamente maior que o reportado, especialmente em setores informais e terceirizados. Isso dificulta dimensionar o problema e elaborar políticas preventivas adequadas.
Outro desafio é incutir uma cultura de segurança sólida, principalmente nas micro e pequenas empresas. Muitas vezes, estabelecimentos de menor porte não são obrigados por lei a manter um SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho) interno, o que pode resultar em menor acompanhamento preventivo no dia a dia. Isso passa pela educação dos trabalhadores (para que conheçam seus direitos e os procedimentos seguros), mas sobretudo pelo compromisso dos gestores
Em síntese, reduzir os índices de acidentes de trabalho exigirá um esforço conjunto e contínuo. Bento Gonçalves, com sua forte cultura industrial, tem o desafio e a oportunidade de ser vitrine em boas práticas de segurança. Investir em prevenção compensa salva vidas, evita sofrimento e também reduz custos com afastamentos e indenizações.
Com a mobilização de órgãos públicos, associações como a ARTEST e a conscientização crescente dos empregadores, a expectativa é mudar o cenário atual, para que tragédias como a daquele jovem operário não mais se repitam e para que o trabalho deixe de ser motivo de adoecimento, tornando-se sinônimo apenas de sustento e realização pessoal, nunca de risco à vida.

Vinícius Cenci Taborda é Engenheiro de Segurança do Trabalho, com MBA em Gestão de Riscos na Saúde. Possui sólida experiência na Gestão de Segurança, prevenção de acidentes e conformidade com Normas Regulamentadoras (NRs) em ambientes industriais.
Especialista na implementação de processos e no desenvolvimento de ambientes de trabalho seguros, sua atuação abrange a análise e mitigação de riscos, auditoria de segurança e monitoramento de indicadores de desempenho. É comprometido em integrar uma cultura de segurança robusta no DNA das empresas, assegurando o bem-estar e a saúde dos colaboradores.














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