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O Dia Mundial do Rock e os ignaros que nunca entenderam a guitarra

  • Foto do escritor: temporacomunicacao
    temporacomunicacao
  • há 5 dias
  • 4 min de leitura

Coluna de Diego Franzen


Neste domingo, 13 de julho, celebra-se o Dia Mundial do Rock. E há motivos para celebração, ainda que muitos não façam ideia do que estão comemorando além de uma desculpa para usar camiseta preta e fingir que conhecem Deep Purple.


A data nasceu em 1985, no mítico Live Aid, aquele megaevento filantrópico que uniu o mundo contra a fome na Etiópia e fez uma geração acreditar que a música podia salvar vidas. E por alguns minutos, salvou mesmo. Queen no palco, Freddie Mercury em estado de possessão divina, e todo o resto tentando acompanhar. Desde então, 13 de julho virou o dia oficial da rebelião bem tocada.


Mas o rock, esse velho guerreiro, não se resume a uma data. Nem a três acordes e uma jaqueta de couro. O rock é, antes de tudo, postura crítica, inconformismo melódico, estética da resistência.


Ser roqueiro, e eu falo com conhecimento de causa, porque vivo nesse cenário desde sempre, não é fumar maconha num estacionamento ouvindo Nirvana pelo celular quebrado. Aliás, o rockeiro jamais será um drogado idiota.


Nunca precisei de uma droga pra entender a força de uma boa distorção.


Aliás, nunca usei droga alguma.


As pessoas mais inteligentes que conheço são roqueiras. Não é coincidência.


O rock estimula o pensamento, a contestação, a leitura de mundo.


Quando ouvi Paradise City do Guns N’ Roses pela primeira vez, minha vida se transformou para sempre. Aquela introdução, aquela batida, aquele refrão pedindo uma cidade paradisíaca onde a grama é verde e as garotas são lindas... foi ali que rompi grilhões. Foi ali que percebi que existia um mundo maior, mais complexo, mais verdadeiro. E foi ali que comecei a desenvolver minha consciência crítica.


Falar de rock sem citar Led Zeppelin é o mesmo que falar de literatura sem Shakespeare. A filosofia contida nas letras, a profundidade mística, o diálogo com o oculto, com o épico, com o humano. Zeppelin fez da guitarra uma espada e da bateria um trovão.


Já os Rolling Stones, esses gênios hedonistas e sardônicos, transformaram o deboche em arte elevada. Não há como sair ileso de um riff de Keith Richards.


É metafísico.


E por falar em distorção e transcendência, Ozzy Osbourne, sim, aquele mesmo que um dia mordeu um morcego num palco, fez sua despedida honrosa. O Black Sabbath, num show que mais pareceu um rito pagão de encerramento de uma era, entregou a última martelada na bigorna do rock pesado. A cortina cai, mas a lenda permanece. Ozzy teve uma despedida digna como um solo de Tony Iommi: escuro, elegante e definitivo. Emocionante.


O rock, no entanto, também tem seus cavaleiros cultos. Bruce Dickinson, o inigualável vocalista do Iron Maiden, é piloto de avião comercial, empresário, mestre cervejeiro, professor universitário, esgrimista e escritor. Um verdadeiro homem renascentista de camiseta preta e voz de trovão. Imagino que se Leonardo da Vinci tivesse nascido em Sheffield , seria Bruce.


E não posso deixar de reverenciar, como fiz recentemente nesta coluna, André Matos, nosso maestro do metal, compositor, regente, pianista e cantor que deu dignidade erudita ao heavy metal brasileiro. Critou o Angra. Criou o Shaman. E se tornou o nome do Heavy Metal. Gênio, sem aspas. Formado em composição e regência, André provou que rock não é barulho. É arte, é ciência emocional, é arquitetura sonora.


E é impossível falar de rock no Brasil sem invocar Raul Seixas. Raul é o profeta eletrificado, o homem que misturou filosofia, misticismo, crítica social e baião com guitarras distorcidas. Ele foi um visionário, um alquimista do som, um rebelde intelectualizado que leu Nietzsche e ouviu Little Richard. Sua obra é uma aula permanente sobre liberdade, contracultura, independência de pensamento. Raul não apenas cantou o rock, ele encarnou seu espírito mais puro e anárquico.


Nos anos 80 e 90, o rock nacional se tornou trincheira de pensamento. Engenheiros do Hawaii, com suas letras carregadas de ironia e existencialismo, ajudaram uma geração a pensar. Titãs cuspiram no sistema com inteligência e fúria poética. Nenhum de Nós cantou a angústia urbana com uma sensibilidade rara. Paralamas do Sucesso uniram ska, reggae e crítica social. Raimundos escancararam o lado sujo, mas autêntico, da periferia roqueira. Embora todos fossem "filhinhos de papai". Camisa de Vênus trouxe sexo, sarcasmo e transgressão. E até os Mamonas Assassinas, com seu deboche nonsense, mostraram que irreverência também pode ser atitude.


E então há o Pink Floyd. O som que virou arquitetura. As letras que são tratados de filosofia moderna. O álbum The Wall é uma ópera sobre alienação, opressão, loucura, repressão escolar, política, guerra e infância perdida. Ouvir Pink Floyd com atenção é como ler Orwell ouvindo Bach com delay psicodélico. Nenhuma banda captou tão bem o espírito do mundo moderno e suas rachaduras existenciais. O rock, ali, virou denúncia, poesia, paisagem sonora e protesto contra tudo que nos torna menos humanos.


Por isso, não me venham com essa caricatura barata de que roqueiro é um drogado sem futuro. Isso é ignorância com delay. O verdadeiro roqueiro, o que vive o rock como filosofia, é aquele que pensa, que critica, que não se curva. O rock, em sua essência, é antissistema, anticaretice, anticolonialismo cultural. Ele não cabe num palanque. Roqueiro de verdade não grita por ordem e progresso. Grita por justiça, liberdade e bons riffs.


E pra viver isso de verdade, é preciso quebrar estereótipos. Porque ser roqueiro não é usar cavanhaque, falar “mano” e repetir frases prontas sobre “resistência”. É ouvir Rush e entender as letras. É saber que música também é inteligência. É saber que rebeldia não é gritaria. É forma, é conteúdo, é estilo. E também é ética.


Neste domingo, se você for comemorar o Dia do Rock, faça-o com respeito. Com reverência. Mas sem submissão, o roqueiro jamais será escravo ou submisso. Ouça um disco inteiro, do começo ao fim, sem pular faixa. Leia a letra. Entenda a ideia. Pense. Sinta. Agradeça.


Porque o rock é uma das poucas coisas que ainda nos salvam da mediocridade.

E que os ignaros que nunca entenderam a guitarra fiquem no silêncio de seus algoritmos.

Diego Franzen é jornalista, escritor autor de 14 livros, fundador e CEO do Pauta Serrana e da Tempora Comunicação
Diego Franzen é jornalista, escritor autor de 14 livros, fundador e CEO do Pauta Serrana e da Tempora Comunicação

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